terça-feira, 16 de dezembro de 2014

O meu primeiro beijo.


"Ah e tal, mas porque raio vens falar disto agora?". Pois, de facto, por razão nenhuma. Era uma cena que tinha aqui alinhavada no telemóvel e que decidi falar hoje porque a minha memória sei eu bem a desgraça que é, por isso, mais vale guardar aqui esta recordação já do que esquecê-la nos meandros do meu cérebro complicado para todo o sempre.
 
Miss Caco deu o primeiro beijo tarde. Falo de beijo à séria, daqueles com língua, embora não tenha passado pela fase intermédia dos bate-chapas. Na primária, sobrevivi à paixão pelo Zezé das sardas, pelo Paulo Jorge dos olhos verdes, pelo Pedro que vivia no rés-do chão, tinha cabelo negro e muitos Legos, pelo Vicente que entrou na escola a meio do ano e que me fazia corações no caderno. Todos sem um único beijo. Tudo platónico.
 
Miss Caco vai para o ciclo com nove anos. Apaixona-se pelo Eduardo. Moreno, mais velho, usava um kispo verde de penas que lhe ficava a matar e Miss Caco passava os recreios a babar enquanto o via nas aulas de andebol. Nem um único beijo. Tudo platónico.
 
Apesar de Miss Caco ser tímida, ainda assim, tinha vários pretendentes: o Rui, um dos gémeos de quem todas as miúdas gostavam e que se declarou na lição nº 100 de português; o Vasco, loirinho que era um doce de rapaz, e o Pedro, o rapaz que me esperava sempre à saída da escola para me acompanhar no trajecto a casa.  Todos sem um único beijo. E Miss Caco sem lhes passar cavaco.
 
Chegou o liceu. Aos 14 anos, Miss Caco apaixona-se pelo punk da escola. Sim, era punk, daqueles com calças pretas elásticas, botas militares e blusão de couro com taxas, cabelo rapado dos lados e uma melena a cair na frente dos olhos. Loiro. Era punk mas um doce de rapaz. Tinha outra incongruência. Chamava-se Fifi. Duvido que conheçam muitos punks meigos chamados Fifi. 
 
Adiante. O punk Fifi namorava. Com várias. Tinha muito sucesso. Era o mais popular. Entrava no liceu e o mundo parava. Cantou uma música dos Xutos na festa de Natal e o pavilhão gimnodesportivo veio abaixo. Miss Caco continuava tímida, mas gostava dele.
 
Eram conhecidas as festas que dava em casa quando os pais não estavam. Toda a gente sabia que era habitual ficar sozinho aos fins de semana com os irmãos e aquelas festas eram só para gente cool, com pinta. Ouvia-se música aos berros, dançavam-se slows e havia gente que até fumava, imagine-se. Miss Caco ouvia falar deste acontecimento e ficava a imaginar o que por lá se passaria.
 
A certa altura, começou a aperceber-se de uma certa troca de olhares comprometedora. Sobretudo quando o pessoal se juntava na cantina ou à entrada do campo de voleibol. Certo dia, o punk Fifi perguntou a Miss Caco se queria ir à festa no fim de semana seguinte. Miss Caco tremeu. O mundo desabou e ficou sem chão. "Ir à festa, como?!? Tipo, pegar em mim e aparecer lá?!". Tensão no ar. Daquelas de mandar abaixo o quadro da luz. O convite não era à toa. Miss Caco percebeu que o punk Fifi estava possivelmente a dar-lhe troco e que aquilo não iria acabar com os dois sentados no sofá a comer pipocas e a ver um episódio da Casa na Pradaria.
 
Mas Miss Caco tinha um problema para resolver. E dos sérios: 14 anos feitos há mais de meio ano e ainda não tinha dado um mísero beijo. Um bate-chapas sequer. Como é que ia à festa do punk Fifi, onde possivelmente a coisa se daria, sem ter treinado antes? Isso nunca poderia acontecer. Jamais. Era urgente resolver este problema. Miss Caco não podia ser apanhada desprevenida e correr o risco de andar ali feita trenga, aos papéis. Está bem que vemos na televisão, mas não é a mesma coisa.
 
Mestre no desenrascanço, qualidade que ainda hoje se mantém, tratou de saber se havia alguma festa antes desse fim de semana. Sim, o Roscas faz anos. Amanhã. Vai haver festa com direito a slows e cenas. Não há que olhar para trás. É agora ou nunca.
 
Miss Caco foi. Primeiro slow. Acho que era o "I just call to say I love you" do Stevie Wonder, mas por mim até podia ser o Natal dos Hospitais. A missão estava delineada. O Vasco loirinho avança. Ok, vamos lá. Tem de ser. O rapaz até é giro e no fundo merece que até gosta de mim desde o ciclo. Primeiro abraço, os rostos encostam-se. Ok, é agora. O Vasco investiu e Miss Caco deixou. Avaliou tudo milimetricamente. Ok, então primeiro encostam-se os lábios devagarinho, depois mais um bocado, beijinhos no pescoço, os lábios outra vez... pode-se juntar a língua e dar ali alguma envolvência... o resto é como nos filmes. Ok, vendo bem, até é fácil.
 
Acaba a música. Miss Caco vai para casa. Vasquinho fica a arder sem perceber o que se passou ali. Se sonhou ou se aconteceu mesmo. Já está. Afinal é simples. Acho que não vou passar vergonhas.    
 
O fim de semana chegou. Primeiro slow. Punk Fifi investiu. Miss Caco deixou. Foi o beijo mais calculado e estrategicamente planeado da minha vida. Quase com direito a régua, esquadro e nivelador. Nem sequer da música me lembro, tamanho era o foco naquilo que estava a fazer. Miss Caco não fez por menos. Ok, é isto mesmo. Ninguém diria que é quase a primeira vez.

Pode não ter sido muito romântico, é certo, mas a verdade é que saiu perfeito.

11 comentários:

  1. Como te lembras tu disto tudo?
    Por acaso também me lembro do 1º beijo com a Paula, no recreio. Depois, a partir daí foi sempre sem problemas. Mas nem sempre me safava nas festas dos slows...:-(

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  2. O meu a sério também foi tarde. Antes houve apenas um bate chapas.

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  3. Tão bom! :) Que grande história! Miss Caco é perita no desenrascanço!... És a maior! :)

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  4. És a maior Miss Caco.... Ainda bem que o Pés existe.... (Foi através dele que conheci o seu cantinho) e ADORO...
    O meu primeiro beijo já eu tinha uns 15anos..... Foi dentro de uma discoteca que já nem existe... e tudo a volta parou (para mim claro)!!!!
    É bom recordar... Parabéns pelo blog!!!
    Andreia

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    1. Olá Andreia! Pelo que vejo, não teve oportunidade de treinar antes :-)
      Obrigada por passar por cá!

      Beijinhos

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  5. tb não fui precoce... (aos 16) mas eu não treinei, foi espontâneo e muito bom... (embora já tivesse dado um chocho a outro menino, praí aos 13... nunca fui precoce em nada :))

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    1. Ahhhh... Macaca grava-por-cima, um chocho aos 13 já conta para treino :-)

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  6. Eu comecei logo na primária... 4 anos a namorar com o Pedro Nuno e chochos infantis quase todos os dias. No final da 4a. classe demos um beijo "como o das novelas" porque no quinto ano íamos para escolas diferentes e o nosso "amor" estava comprometido... ;) Nesse dia senti uma coisa que não sabia o que era e ele também. Anos mais tarde quando relembrei o momento percebi que tínhamos ficado excitados sem saber.
    E nunca mais vi o Pedro Nuno desde o nosso primeiro beijo.

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